Qual a importância da comunidade na vida de um/a artista?

Inspiração, família, cultura, solidariedade… palavras que traduzem a vida de nossos/as seis artistas em comunidade. Os relatos descritos no episódio 5 do nosso webdocumentário desconstroem o imaginário coletivo que criminaliza moradores e moradoras de bairros considerados periféricos, como o Jurunas e o Barreiro. Ao longo das entrevistas, vamos observar o quanto os atravessamentos em comunidade fazem parte do cotidiano, das reflexões e obras produzidas pelos/as artistas.

Desde cedo, Ordep acorda e gosta de abrir a janela e ver o movimento do Jurunas: carros, motos e bicicletas compõem o que ele mesmo chama de cenário barulhento do bairro. “A minha rotina começa cedo. Eu sou muito andarilho, me sinto bem andando no bairro e isso acaba sendo uma forma de inspiração para os meus trabalhos. Costumo dizer que uma caminhada no bairro já ajuda no meu processo criativo”, conta.

Awazônia também revela que gosta de aproveitar a área ventilada da beira do canal do Barreiro para se refrescar do calor escaldante de Belém. “O bairro é um local que quando estou com muito calor, eu saio de casa e vou pra beira do canal, porque eu me sinto confortável lá, pegar um vento. A cidade já é quente e lá é um dos poucos locais que são ventilados”.

Para ambos os artistas, os espaços comuns da comunidade se revelam como lugares de inspiração e tranquilidade. Uma caminhada nas ruas ou um vento no rosto estabelecem conexões simbólicas que se expressam no fazer artístico, estimulando a criatividade de cada um.

Para outros/as artistas, como a Carol, a vida em comunidade tem um sentido mais familiar, remete aos caminhos que se cruzam e criam laços fortes de afeto. De acordo com ela, a feira é o lugar mais representativo de um bairro. “A feira é o lugar onde você encontra as pessoas que te conhecem até hoje pelo nome, me chamam pelo meu nome e isso eu não tive em nenhum outro lugar que eu tenha ido e é o que mais faz falta no bairro”. Ela explica que, a seu ver, a feira é um pouco de cada lugar do bairro, em virtude de as pessoas se (re)conhecerem e saberem as histórias de vida umas das outras.

Assim como ela, Samu Periférico também relaciona a vida em comunidade com conexões afetivas. Ele alegremente relembra que, nos feriados, a família convida a comunidade para festejar. “Se você gosta de festa, como eu, com certeza vou te levar na da minha família. Nos feriados, a gente faz uma festa em frente de casa, convida os vizinhos, faz uma intera, leva um som e vira uma festa, com a nossa própria gente, nossas músicas e a nossa comunidade”.

Tanto Carol quanto Samu trazem esse lado mais familiar e afetivo da vida em comunidade, lugar no qual todos se conhecem, compartilham suas histórias, memórias, abrem suas casas e dividem seus momentos juntos e juntas, seja no cotidiano da feira ou nos festejos da vizinhança.

Outros artistas, como Manoel Fonseca, do Núcleo São Joaquim, acompanham as transformações da comunidade ao longo dos anos e associam esse espaço às oportunidades de sobrevivência e trabalho. “A gente vê um avanço naquele complexo comercial [do Barreiro] que dá oportunidade para as pessoas trabalharem e venderem seus objetos, mas ainda há muita dificuldade de sobreviver, principalmente na crise que estamos vivendo”.

Laura Sena reconhece a importância da vida em comunidade e, através de seu trabalho artístico, busca dar um retorno social às moradoras e aos moradores. Ela realiza concursos para as mães; cursos de musicalização para os jovens e oficinas para as crianças. “Todos os anos, nós somos convidadas e vamos às festividades de todos os santos. Levamos as crianças, os jovens, o grupo musical e tem essa apresentação para compor a festividade”. Em solidariedade, ela conta que eles ajudam, divulgando o trabalho social dela e também com a disponibilização de espaço físico.

Observamos, entre os relatos, que comunidade pode adquirir vários sentidos, a depender do lugar de quem está falando. Mas o sentido de “comum”, originalmente relacionado à palavra (PAIVA, 2012), atravessa as falas de nossos/as entrevistados/as. Compartilhar, conviver, tornar trajetórias, memórias comuns entre as pessoas que se reconhecem e se identificam pela troca de experiências comuns em espaços físicos e simbólicos é um ponto que tece as histórias contadas e demonstra a importância da comunidade na vida e obra de nossos/as artistas.  

 

Por Lorena Esteves

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REFERÊNCIA: 

PAIVA, Raquel. Novas formas de comunitarismo no cenário da visibilidade total: a comunidade do afeto. MATRIZes, v. 6, n. 1, p. 63-75, 2012.

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