O trabalho de Carol Magno tem uma territorialidade muito forte. Trazer o seu lugar de fala para a sua obra é, como ela mesma diz, um "levante": ergue a periferia e o Jurunas ao lugar que devem ocupar na sociedade e ao mesmo tempo representa uma forma de resistência e rebelião contra todo preconceito e estereótipo.

Confira a seguir dois poemas da atriz, poeta e performer que trazem o Jurunas como tema:



Jurunaldeia

Belém
em beira de ilha
nasceu
cidade na bubuia
da baía do Guajará

dela desaguou
o Jurunas
na beira da beira
e por ser margem
mareia

é um porto
uma esperança
ao subjugo torpe
dos ribeirinhos

é aldeia de várias ruas
dos Timbiras, Tamoios
Apinagés e Caripunas
Mundurucus, Tupinambás

a Cidade Velha, Batista Campos
ancestrais casas-grandes
margeia

mas
com a terra inundada
de seus iguais
mareja

água-se, derrama-se
guamando-se
e com dor dilata-se

ao fim
retoma a beira
gênese incontestável
de aldeia



"Os passarinhos da Vila Almeida"

Os passarinhos na vila Almeida
cantam como aves loucas

é cantoria rouca às cinco da matina, o sindicato deles não é forte
Como é que pode?
goela gasta sem motivo, nem é dia de festa

muito menos dia ensolarado, na
verdade o céu está meio zangado
as nuvens olhando de lado,
morgadas, deitadas na hora da
sesta

quando esqueço a cantoria, um
pássaro apresentado puxa o coro
o curioso é a competição que os
loucos travam com o Jurunas

esse bairro tem música própria, na
realidade, uma sinfonia
de crianças jogando bola com pet,
trio elétrico anunciando festa
da segunda-feira no Imperial, da
aparelhagem no Sandoca
arrastão de samba do Rancho, Não
Posso Me Amofiná,

Feira ao refrão “tá acabando,
minha freguesa, tá acabando”,
Kombis, mototáxis e do Ceasa
tirando o fino dos passantes

tem a procissão de Santa
Teresinha que solta fogos,
acalenta o peito dos corações
jurunenses, abatidos

e o cortejo de São Benedito, santo
preto tão nosso,
indígenas, pardos, brancos, negros,
bagaceiros, eruditos,
sambistas, trabalhadores, musicais,
gueto que somos

sinfonia que tem o som do terreiro
escondido, mas rota certa
procurado quando o santo não dá
jeito pra nossa ferida aberta

e no meio de toda essa música
ainda têm os passarinhos
que insistem em cantar na minha
porta de ladrilhos coloridos

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